terça-feira, maio 09, 2006

Gosto

Sentiu o amargo escorrer-lhe pela garganta dolorida do vômito causado pela bebedeira. O gosto ríspido e hostil que lhe dizia: você já não é mais a mesma. Não é nova, entretanto, não está velha. Não é a juventude encarnada, e já não consegue ir à noitadas e estar em pé às seis da manhã. Não é mais beleza ou sorriso. O gosto lhe dizia: você já não é o que foi, menina. Não é simpatia ou brilho nos olhos. Não tem a inocência apaixonante das adolescentes. Não tem a inteligência ingênua da infância. Não se entrega mais a qualquer abismo.

O amargo desceu pela garganta e chegou ao estômago. O gosto transforma-se no som da lágrima: eu já não sou mais paixão, repetia, repetia, repetia.

[Janaína, com seu gosto amargo da noite, levantou-se, lavou o rosto e viu em si o que se negou por muito tempo: a paixão é para aqueles que sabem assim viver. E ela já não sabia entregar-se à dor].