segunda-feira, julho 11, 2005

Do desamor

Foi-se embora aquele dia com um rombo no peito. Nunca tinha sido tão machucada em qualquer tempo, por qualquer amor. E, embora mantivesse quente as lembranças boas da cama do garoto da rodoviária, Janaína ergueu-se e decidiu que aquilo já era passado e que remoê-lo só trazia dor a ela mesma. Não havia o que fazer, já que o garoto tinha escolhido não só desamá-la, mas expulsá-la de sua vida. Janaína, que antes culpava-se pelo fim dos sonhos, viu claramente diante de si que a culpa não era dela. E que se as coisas não voltavam, não fazia mal. Agora, era ela que abandonava de corpo e alma aquele carinho. Desfez-se de todas as roupas velhas e dos lençóis comprados a dois, e torceu para que ele guardasse consigo os cds de jazz que ela havia com tanto gosto selecionado. Sentiu-se boba por saber que o fim estava já descrito nas estrelas e perseguiu seu futuro mais próximo. Sentou e chorou as últimas lágrimas daquele amor que, aos poucos, tornava-se desamor. Tornava-se desgosto. E Janaína que havia relutado coma dor para que não se virasse desgosto, sabia que não havia mais volta. Pediu para esquecê-lo, foi grosso, disse que já não havia amor. Pois, agora, de fato, não havia amor ou volta.
Janaína, aos poucos, desistia da dor e tranformava-se em alento para seu próprio peito.

Guilherme, o garoto da rodoviária, já não existia.
E era assim que Vírginia deveria agir.

quinta-feira, julho 07, 2005

Fim

Se houve amor, já não há. E Virgínia passa os dias na sombra de uma árvore, com medo.

Dia dos namorados

- Adriano, gosto de você - disse Virgínia, corando, sabendo que era uma mentira.
Adriano não respondeu nada, e ela se lembrou de seu irmão Daniel, que era incapaz de entender as teias de aranha na janela. Suspirou:
- É que queria te dizer, queria te dar um presente de dia dos namorados e viver alguma coisa idiota do seu lado.
- Relaxa, Virgínia. Depois a gente se fala.
E ela foi embora com aquela vontade de querer bem a quem não a queria.

Calamidade e Saiwalô

Calamidade andou pela estrada com os pés sangrando, deixando para trás a cidade incendiada e a falta que sentiria de Susane. Parou de cidade em cidade procurando a capital e acabou se tornando prenúncio de maldição. Quando achou, buscou o médico de porta em porta e quando o encontrou recebeu um amor de metade, até que ele decidisse ir embora para algum lugar dentro de si que Calamidade conhecia bem. Pelas suas andanças, sentiu um cheiro diferente no ar e um gosto de sal na pele, olhou em volta e pensou que essa era uma cidade como as outras, mas não era. Da primeira vez que Calamidade viu o mar não entendeu, e comparou aquela imensidão azul com àquele sentimento; aquele gostar que lhe comprimia o peito e que uma moça de rodoviária entenderia muito bem. Ao longe, Saiwalô avistou um porto e pensou que já era hora de parar para sentir a terra firme e comer em algum restaurante bom. Pegou as longas varas que usava como remos e que eram uma herança birmanesa, e rumou para aquela cidade que parecia ter doces deliciosos para vender nos festivais. Desceu no cais junto com os gritos das gaivotas e olhou atentamente para as pessoas, chamou-lhe a atenção uma moça de vermelho, mas foi logo buscar aonde comer. Calamidade olhou o caminhar daquela moça de cabelos azuis e o achou inintendível como o vai e vem das ondas. Seguiu-a até uma mesa no calçadão e puxou uma cadeira: posso me sentar? A mulher respondeu que sim, disse que se chamava Saiwalô e que nunca a havia visto antes. Calamidade se apresentou estendendo a mão com unhas cor de cereja e confessou a opacidade de seus olhos perguntando a Saiwalô de onde havia vindo. Do mar, respondeu com um sorriso e estranhou a pergunta, de onde?, que a outra lhe fizera de volta. Explicou então que vivia naquela jangada, ao sabor das ondas, e que as vezes perseguia uma baleia, como aquele personagem obcecado de Moby Dick. Calamidade disse que nunca havia visto o mar e lhe contou que caiu do céu num dia quente, falou baixinho de como vivera no prostíbulo, como se apaixonara por Susane e de como havia destruído a cidade. Contou que havia ido à capital atrás da cura para os seus males e não pôde encontrá-la. Elas tomaram um café com bolo e foram passear. Calamidade quis contar sobre o sentimento doloroso que tinha desde aquele dia de verão, contou-lhe que havia se apaixonado por um médico, mas não queria, porque só conhecia uma forma de gostar, e esse amor que conhecia era opressor em todos os sentidos que vivia, até mesmo na correspondência. À Calamidade era impossível ser feliz com seu amor, porque o amor para si era apenas uma prisão. Saiwalô se riu e disse que amava um homem que morava dentro de uma baleia, e que eram incompatíveis, ele e ela. Pois ele se escondia o tempo inteiro e ela só sabia viver ao relento, não se entendiam, mas se amavam sempre que se encontravam. Saiwalô era livre, porque era o que era e ia aonde queria, só se sentia bem porque amava, e isso a fazia completa. Calamidade não entendeu, mas se alegrou, pensando que um dia poderia amar assim. Calamidade sentiu vontade de dar uma volta na jangada, e Saiwalô pensou que talvez devesse ficar um pouco por ali.