sábado, dezembro 09, 2006

Das dores

- Às vezes ele fala bobagens. Bobagens mesmo, daquelas que fazem a gente achar que uma pessoa é boba. Mas eu não me importo, sabe, eu não me importo de fazer bobagens se for para ele ficar feliz. Eu hoje entendo que às vezes as pessoas precisam ser bobas para serem felizes.
Virgínia estava diferente, foi o que Vicente pensou, sem saber ao certo como. Já não era mar revolto, achou.
- Mas como é que pode isso, Virgínia?
- Eu não sei, meu bem. - tocou com a palma da mão o rosto de Vicente.
Meu bem. Virgínia sempre chamava a todos de meu bem, e isso doía de lembrar. Vicente achava que era sempre desajeitado encontrar a quem já se amou. Será que um dia conseguiria olha-la sem lembrar das mãos nos seios? Virgínia era outra, sorriu para ela, assim meio melancólico. Era como se Virgínia tivesse dado um passo a frente e não fosse mais possível voltar, como quando desmorona o mundo. Disso todo mundo entende. Era essa a imagem que ela fazia lembrar, uma garota de costas para um precipício, com medo de andar. Quis abraça-la. Botou as mãos no bolso.
- Você tá diferente.
Ela olhou Vicente, a barba cerrada, o jeans velho e os tênis que ele havia comprado quando os sapatos de marfim quebraram.
- Doeu - ela disse.
- O quê?
- Os tênis.
- Pesam menos.
- Doeu. Quando os sapatos que lhe dei quebraram, quando disse não a Adriano, quando Vítor foi simples. Doeu, tudo doeu.
Vicente quis chorar e dizer ainda dói Virgínia. Na sua mania de nomear as coisas, acabou virando nome.
- É. Acho que é assim mesmo.