terça-feira, outubro 25, 2005

Janaína

Loves everybody. Loves everyone.

Balanço

Izolita desceu de seu apartamento e sentou-se no balanço do parquinho. Começou fraco, indo para frente e para trás com os pés, cantarolando uma música qualquer.
["Oh one day when you're looking back
You were young and man you were sad
When you're young you get sad
When your young you get sad then you get high"]

- Falando sozinha? - perguntou Rodrigo.
- Cantando.
- Não seja tímida. Balance mais alto! E o vento leva toda a tristeza embora.

E os dois começaram a balancar, cada vez mais alto e rápido. E o vento batia no rosto dos dois e enxugava todas as lágrimas. ["Then you be high cause you got sad
Cause you got sad"]

E o mundo se esvaiu em risadas de Izolita e Rodrigo, duas almas solitárias, que encontraram, por um dia, a felicidade no movimento.

quinta-feira, outubro 20, 2005

Cinema

A lágrima escorreu pequena pelo rosto. Secou com as costas da mão, como de costume. Levantou-se. E se houvesse alguém na sala escura, teria assistido a uma das mais belas cenas nunca gravadas: Janaína saía devagar do cinema. Sozinha com o frio do ar condicionado, as letras dos créditos eram projetadas em sua pele e roupa. Parou um minuto, olhou para a luz. Tentou ver o projetor e o preojetista. Encontrou somente as letras que faziam escrita em seu peito. Encontrou as letras que formavam as palavras que permitiram a ela, um dia, escrever poesia.

terça-feira, outubro 18, 2005

Desejo

Virgínia pensou em estar do lado dele e se sentiu correspondida pela primeira vez em todas. Era um amor além -mar, pensou em Calamidade. Amor? Quis se rir, quis que fosse mesmo, mas não era, vai saber, quis que fosse um dia, e se pôs a chorar.
Am I cursed or am I blessed?
Ela pensou.
Quis estar ao lado de Marcelo, por algum motivo idiota que a fazia sentir como adolescente de novo. Oras, sabia que não era nada disso, mas desejava, no íntimo, que fosse. Sabia ser besteira, Virgínia já havia visto, vivido e feito de tudo neste seu mundo urbano. Mas desejou. Virgínia queria se chamar desejo, porque desejar era tudo o que fazia o tempo inteiro. Sentia-se só, achou que se estivesse lá não se sentiria. Não porque acreditava nisso, mas porque desejava que fosse assim. Dormiria abraçada, ou sequer dormiria. Ligou:
- Izolita?
- Eu.
- Te acordei?
- Um pouco.
- Desculpe.
- Não tem nada. Fale.
- Nada, queria tomar umas cervejas contigo.
- Agora?
- Agora.
- Por quê?
- Porque somos solidão.
Sentaram-se na mesa, e Izolita, ao invés de saudação, disse:
- Você não é solidão, Virginía, é distância.

domingo, outubro 16, 2005

Solidão

Izolita, naquele dia nublado, saiu da igreja devagar e decidiu passar na casa de Janaína. Elas moram em lugares opostos na cidade, o que a impedia de encontrá-la sempre. Pensou: sentia saudades daqueles olhos.
E imaginou toda a cena, organizada previamente em sua memória: Janaína abriria a porta, esquentaria a água - já que estava frio - e faria um café. Não falariam uma palavra. Izolita comentaria o livro lido recentemente, e Janaína divagaria sobre a luz do sol.
Entretanto, não foi assim.
izolita parou em frente à porta de Janaína e bateu. Não houve resposta. Então, pegou um bloquinho de papel rosa, e colou um bilhete na porta: Janaína, minha voz falha de tanta tristeza. Hoje eu sou solidão.

sábado, outubro 08, 2005

e as violetas?

Isolda avistou-a de longe. Seus cabelos reluziam à luz do sol e seus belos olhos escuros, daquele azul profundo, parecia, como sempre, refletir o mar.
Sorriu um sorriso leve e acenou. Seus vestidos eram parecidos e entre o campos de violetas, as duas, Isolda e Saiwalô, pareciam misturar-se às flores. Os cabelos longos e pretos de Isolda, presos em um coque, davam a ela um ar interiorano que ninguém nunca achou possível. Os cabelos curtos e bagunçados de Saiwalô davam a ela um ar de cidade que ela nunca tivera.
As duas, ao se encontrarem, não pareciam elas mesmas. Eram outras. Eram liberdade. Os olhos de Saiwalô fitaram, por um momento, os lábios de Isolda. Os olhos pretos de Isolda fitaram as mãos de Saiwalô.

Sem palavras, abraçaram-se. E era como se misturassem em uma única cor, em uma única flor. Deitaram-se sobre o campo: hoje não era preciso inventar flores de papel. Elas eram flor!

sexta-feira, outubro 07, 2005

Sobre os amores antigos que se renovam e se desfazem e se reencontram e se dissipam no ar

"Espantosa a rapidez com que, ante a invasão vitoriosa de novas ilusões, se dissipam os efeitos da última decepção."

Aníbal M. Machado.

E era neste trecho em que Janaína pensava ao fitar os olhos de Vicente. Seus olhos pareciam sempre inundados de lágrimas, como os de Izolita, e sua boca parecia balbuciar um nome constante.
Vicente, antigo amor de Virgínia, sentava em um balcão em um bar embaixo do prédio de Janaína todos os dias. E, eventualmente, Janaína o encontrava. Sabia quem era ele, mas nunca se apresentou. Ela sempre o encarava de longe, como se quisesse entender seu mundo, sem palavras. Queria ver sua alma através dos olhos e lábios. Via-o sempre com pedaços de marfim. Um dia, em uma carta, Virgínia havia contado do presente mais exótico que havia dado; sapatos de marfim. E que, ao brigarem e se despedirem, os sapatos se desfizeram em mil pedaços. Janaína pensou, tristemente, que os presentes de ex-amantes só são válidos porque colados com amor. O amor de um acaba, as coisas se desfazem junto: entram em consonância com a dor.
Lembrou-se de que foi assim com seu jardim. Ao ser abandonada pelo garoto da rodoviária, seu jardim morreu. Todas as flores acompanharam Janaína em sua dor de morte até o caixão. Hoje, algumas folhas novas na roseira renascem.
Antes de uma nova ilusão, sempre a dor se dissipa. As flores já não eram tão tristes e ressurgiam pequenas e devagar.
E Vicente. Será que ressurgia? Será que era Vicente um desses, como ela, que morriam a cada dor e que choravam todas as lágrimas em todos os cantos do mundo? Ele recolheria os pedaços de marfim, ou deixaria espalhados, junto com os pedaços de seu peito?
E tudo o que Janaína imaginava eram divagações de como o amor é dolorido. E como é belo, antes de uma nova decepção. Toda a dor inexiste, antes de mais uma ilusão. Toda a dor é passado, nunca é recorrente. Após a ilusão, só resta a dor. E Janaína era movida a dor em muitos momentos. Aquele não era um deles. Ela se reconstituía aos poucos com o olhar alheio. Depois de amar, observar as pessoas era seu maior prazer.
E, naquela hora, observava Vicente.
Como é que alguém pôde amar tanto Virgínia e deixar-se invadir todos os poros?
Deu-se conta: Vicente era igual.
Como pôde Janaína entregar-se aos seus amores, com todos os poros?

quinta-feira, outubro 06, 2005

VIrgínia em uma carta para Adriano

Meu amor,
Não se iluda, eu sinto sua falta sim, tem dias que a saudade me trasforma em sombra de tudo o que vivemos juntos. Sinto saudades, não sei se você sente, deve sentir. Quando revejo nossos quadros, sinto-me inundar. Pensei em te procurar, em te pedir perdão, em te contar da minha vida, mas isso tudo seria uma bobagem. Pensei em pedir desculpas, sei que fiz muita besteira. Mas percebi que se nós não nos falamos, você tem os seus motivos e eu tenho os meus, não nos levaria a lugar algum comparar quais foram mais válidos, o que interessa é que são todos válidos o suficiente para que continuemos sem nos falar. Fique bem.
Sua sempre saudosa
Virgínia.

quarta-feira, outubro 05, 2005

Vicente (dos amores passados de Virgínia)

Exausto, abri os olhos e senti os pés. Ah, mas ela me havia dado sapatos de marfim: pesados, duros, alvos. Virgínia, a cada instante sinto que te perco e eu não quero perder, esta distância é o que me mata. Vai ver a culpa é mesmo minha, sou quem que nos afasta, quantas vezes não ouvi "Vicente, Vicente, seu problema é que você ama demais, e esse amor ninguém pode devolver". Mas não é esse o propósito do mundo? A essência das coisas? Talvez eu seja piegas, é que assim tudo pesa menos. Ela parece uma moça do interior, mas não me engana. Virgínia, você não me engana com estes vestidos de chita, tem olhos de quem já viveu demais. Ela disse que me amaria e amou mesmo, em todas as posições, pensamentos, temores. Virgínia de vestido branco na praia, os seios fartos debaixo do decote, pobre Virgínia, como te amo! Estes são instantes de solidão, como é que a gente pede perdão por querer invadir assim a vida de alguém, em cada fresta, cada curva? Ai, é que não consigo dormir sem seus braços, minha vida não me basta, se pudesse respiraria seus pulmões. E Virgínia não me precisa, se a distância for longa ela vai perceber, e isso não pode, meu eu dilacerado já não tem conserto. Acabou, por mais que nos amemos estaremos sempre sozinhos, nem sei por que, mania. Queria ser dessas pessoas que estão sempre bem, acho que nasci para o drama, estou tão cansado, meu amor, tão cansado de te ter sem te ter. Exausto, fechei os olhos para prender o nome que queria gritar, Virgínia!, quebraram-se os meus sapatos de marfim.

segunda-feira, outubro 03, 2005

Além-mar

Calamidade pensou em Clementina, que estava ali para ela. Mas Calamidade não a queria, ela queria alguém que estava além-mar. Em suas viagens, Calamidade havia descoberto a existência de continentes. Seu amor, agora, só habitava terras distantes.

sobre a decepção

Izolita entrou, uma vez, em uma igreja. Dessas pequenas, singelas. O padre falava para seis pessoas. Ele a olhou com uma cara simpática. Izolita parecia conhecida, mas não sabia onde tinha visto aquela garota esguia, pálida e de olhos fundos e tristes. Izolita escutou todo o sermão, sobre qualquer coisa que Jesus havia feito de milagroso. Cinco pessoas choraram. A outra não se comoveu. Izolita não se comovia nunca com Deus.

Ao levantar-se para ir embora, o padre foi atrás dela, segurou-a pelo braço: O que te aflige? Nunca te vi nesta paróquia.

Nada me aflige, padre. Nada que Deus resolva. Entretanto, sua voz é bonita. Lembro-me dela desde a escola. Você sempre era o orador. Nunca entendi porque virou padre.

Quem é você?

Izolita.

E o padre, então, chorou. E a cena nítida veio à cabeça: garota bonita, pulsos cortados no banheiro. "Nunca pensei que você tivesse sobrevivido."

Se você acreditasse em Deus, talvez dissesse que Ele me salvou. Eu acredito que fui burra o suficiente para cortar errado. Mas isso não importa. Não importa. Gosto da sua voz. Por isso venho.

Izolita deu um passo para frente, segurou a mão do padre. Queria amar você, porque você tem olhos fundos. E se foi.