quarta-feira, fevereiro 01, 2006

resposta

É porque, Marcelo, meu bem, quando tu se desesperas, a única coisa que consegue ver o fim. E o fim parece estar marcado pelo meu perfume inexistente e, embora eu esteja de um branco pálico, tu insistes em dizer que as violetas roxas têm minha cor. Tu não olhas o meu rosto e não entende minhas lágrimas. Tu olhas minhas mãos, mas nunca repara em meu sorriso. Querido, o fim que prevês se desfaz com o universo cruel que crias para nós.

Tudo parece ter minha cor e meu cheiro porque, Marcelo, tu não andas capaz de ver que seu amor por mim é menor que seu medo e seu egoísmo. Me queres para ti, porém, sabes, eu sou de mim mesma, sempre fui. Eu entrego meu corpo a quaisquer pessoas, e ainda assim, o corpo é só meu.

E eu dou-me por completa a ti, sendo eu mesma e amando a nós, como casal. Tudo o que queres é que sejamos um, que eu me funda em seu corpo e vire sua vida.

Não há, Marcelo, perfume ou cor. Há seu egoísmo de querer fingir que somos um, enquanto somos nada mais que dois.

Lembranças

- Você nunca vai entender, Virgínia, o que é morrer e nascer todos os dias, porque você sempre foi a mesma.
- Quando eu era pequena, eu costumava chorar dizendo: mamãe, eu não quero ir para a escola, eu não me sinto bem. E minha mãe me levava no médico, e eu não tinha nada.
- Eu jogo a minha jandaga ao mar todo dia, o mar, você sabe, nunca é igual.
- E ela me dizia: mas, Virgínia, o que diabos você quer? Quero ir para a cidade grande, eu dizia. Para isso você precisa estudar.
- Quando eu era criança, queria ser um monstro marinho para viver escondidinho no silêncio das águas.
- E eu estudei, ia para a esocla todos os dias. Era a primeira da classe. Mas mamãe nunca me levava para a cidade. E eu voltei a chorar, cabulava as aulas para gastar as manhãs lamentando sob a sombra das árvores.
- Hoje são os monstros marinhos que me atacam, e entendo aquele desejo pueril de meter medo com grandes presas afiadas.
- Eu vim para a cidade sozinha, Saiwalô, vim viver a universidade, deixei mamãe e as casas de alvenaria para trás. Nas últimas semanas eu tenho acordado dizendo: eu não quero ir para a aula, mamãe, não me sinto bem.
- E aí?
- E aí eu levanto, tomo o meu café pensando nessa minha falta de dizer eu te amo e choro. Choro, Saiwalô, escondida debaixo das cobertas e revivo meus segredos mais tenros. E sofro, e penso em Adriano recebendo eu te amos infinitos de uma linda garota. E respiro solidão, deve ser por isso que me falta o ar.
- E o que você faz, Virgínia?
- Coloco o meu vestido mais bonito e venho à praia, ficar sentada na areia sem ousar tocar os pés na água. Morrendo de medo de que as ondas quebrem algo de interiorano em mim.
- Você, Virgínia, nasceu com barbatanas e morre de medo de as usar. Nasceu com asas e nunca teve coragem de voar. Você enche suas janelas de potes coloridos, e tudo isso para quê? Me responde, Virgínia! Para que todos estes vestidos de chita?
- Eu não sei. Para trazer um pouco do mundo para dentro de casa, para jogar um pouco de mim nas paredes.
- Mas, Virgínia, você não queria ver o mundo?
- Não, mamãe, eu só queria um eu te amo confessado num abraço longo pela tarde.