sexta-feira, maio 27, 2005

Monólogos de Virgí­nia

Meus vestidos de chita estão secando no varal. Eu os lavei e os continuo usando porque me dão um ar interiorano que muito me apraz. Gosto de pensar nos seios fartos debaixo do decote ousado do vestido branco, gosto da inocência presente no desamarrar das fitas dos cabelos, dos vestidos, das anáguas. Lembro-me da primeira vez que o usei, na praia, e ventava como nunca. Eu tinha um olhar moço e me jogava nos braços de algum grande único amor qualquer. Para mim, porque tudo não passou de um delí­rio, do qual só restou esse sentimento de submissão que esmaga minha maturidade urbana. Lavei os meus vestidos de chita e eles ainda têm o cheiro bom do amaciante que eu não uso. De todos os corpos que passaram pelo meu é ainda aquele cheiro que persiste. Meus olhos são claros demais, acho que talvez seja do oceano que abandonei em você há um tempo atrás. Tenho os olhos de mar e os cabelos de sol, não é isso? Mas também é minha a solidão de um dia frio na praia. Eu bem podia me esvair na rodoviária ao som de um samba qualquer, e quem sabe não encontrava uma Janaí­na sorridente pelos cantos que fingiria saber mais sobre o amor do que eu. E ela diria: "Virgí­nia!", e eu olharia para os lados em busca de uma explicação que não me foi dada. Eu queria ser uma Virgí­nia que já tivesse vindo pronta para não precisar me escrever em cada esquina. Mas meus vestidos de chita posuem manchas nossas que nunca vão sair. Hoje perdi meu mundo, vem, entra aqui e me leva para qualquer lugar. Conversa comigo, eu preciso te amar de novo e sempre, não me rejeita chorando seu nome. Queria ser Janaí­na para fingir que está tudo bem, mas sou Virgí­nia, meu amor! Você se entranha em mim que nem doença terminal, daquelas que a gente nem sabe que tem e acabam nos matando.
Eu
Você
É uma relação de mão única
De vez em quando frequento rodas de samba com Janaí­na, outras vezes esqueço um vestido no apartamento luxuoso de algum senhor. Deixa para lá, tento deixar tudo para lá desde que você me deixou aqui. Faz tudo parte da gente, pois então vivamos a vida por viver. Em dias tristes me sento num gramado qualquer para sentir um pedaço de vento e de sol. Meus vestidos de chita secam em bando, mas eu sou uma só, que os visto esporadicamente com luvinhas cafonas de renda. Janaína não sabe sambar, nem eu, mas seguimos muito bem o ritmo que nos é imposto, conduzidas numa valsa estranha, apaixonada, que, sabe-se, nunca vai chegar a lugar nenhum. Eu caminho em dias quentes com o vestido esvoaçante, olhando para o céu, pensando nas ingenuidades que queria ter, na poesia de uma menina do interior. Olha! Eu preciso de cuidados, não entendo nada da vida na cidade! Eu queria ser roubada para alguma cidade praiana que combinasse mais com a ilusão da minha vida.