quarta-feira, junho 01, 2005

Calamidade

Era uma noite quente quando Calamidade caiu numa cidadezinha sem nome. Lavou o sangue na fonte principal, terminando de se livrar das asas que insistiam em extirpar-se das costas, depois tombara no meio da praça, exausta. Acordara no prostí­bulo, mais tarde descobriria ter sido salva por Susane, uma loira de vultuosos cachos e olhos sempre inchados. Calamidade gostava de Billie Holliday, tinha cabelos negros, olhos negros, pele negra e pés finos que logo se endureceram de caminhar. Pediu vestes vermelhas porque só vestia vermelho. Calamidade cai­ra no gosto das moças e passara a viver com elas, em pouco tempo, recusando a prostituir-se, expulsou o cafetão e tomou conta do lugar, pois era treinada em estranhas artes do oriente. Daquele dia em diante, a vida era só júbilo para as prostitutas, escolhiam os clientes, faziam festas todas as semanas. Os homens não gostavam de Calamidade, porque ela era bela e não a podiam ter, porque desde o dia em que aterrissara as mulheres pensavam com as próprias pernas. E a pequena cidade teve medo de não aparecer no mapa e abrigar uma coisa daquelas. Num dia de verão, Calamidade se apaixonou por um médico da capital, e em todos os dias ensolarados e frescos que se seguiriam seria possi­vel ouví­-la dizer: "foi num dia assim que eu morri". Ela queria voltar para o céu e levaria Susane consigo, porque Susane era só, e o céu deveria ser o lugar de todas as pessoas tristes. Os dias se passavam, o prefeito de bigodes largos, os donos de armazém, as madames de famí­lia, as crianças de suspensórios, suspensórios! Pouco havia de tão absurdo na vida quanto suspensórios. Calamidade sempre a dizer cante, Susane, que não suporto mais o peso do silêncio; e a outra a balbuciar melodias sórdidas que aprendera ninguém sabe onde, os olhos cada dia mais inchados, tamanha dor num par jamais se viu! Pobre Calamidade, vivendo no tédio perguntava-se porque havia sido expulsa do paraí­so e chorava lágrimas de querosene que acabaram por incendiar a cidade. Nesse dia, Susane riu pela primeira vez, e as gargalhadas ecoaram pelos quatro cantos que o universo não tinha, e até deus estremeceu, matando-a para que fosse adorada por povos vindouros. Quanto à  Calamidade, diz-se que continua vagando e que há de continuar se apaixonando por pessoas de olhos tristes.

2 Comments:

Blogger Izis said...

sonhei com ela ¬¬
mas não lembro bem oq

11:20 AM  
Blogger Lalyil said...

já conhecia esse...
e já amava esse...
acho que esse eh meu preferido dos seus...

7:04 PM  

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