quinta-feira, julho 07, 2005

Calamidade e Saiwalô

Calamidade andou pela estrada com os pés sangrando, deixando para trás a cidade incendiada e a falta que sentiria de Susane. Parou de cidade em cidade procurando a capital e acabou se tornando prenúncio de maldição. Quando achou, buscou o médico de porta em porta e quando o encontrou recebeu um amor de metade, até que ele decidisse ir embora para algum lugar dentro de si que Calamidade conhecia bem. Pelas suas andanças, sentiu um cheiro diferente no ar e um gosto de sal na pele, olhou em volta e pensou que essa era uma cidade como as outras, mas não era. Da primeira vez que Calamidade viu o mar não entendeu, e comparou aquela imensidão azul com àquele sentimento; aquele gostar que lhe comprimia o peito e que uma moça de rodoviária entenderia muito bem. Ao longe, Saiwalô avistou um porto e pensou que já era hora de parar para sentir a terra firme e comer em algum restaurante bom. Pegou as longas varas que usava como remos e que eram uma herança birmanesa, e rumou para aquela cidade que parecia ter doces deliciosos para vender nos festivais. Desceu no cais junto com os gritos das gaivotas e olhou atentamente para as pessoas, chamou-lhe a atenção uma moça de vermelho, mas foi logo buscar aonde comer. Calamidade olhou o caminhar daquela moça de cabelos azuis e o achou inintendível como o vai e vem das ondas. Seguiu-a até uma mesa no calçadão e puxou uma cadeira: posso me sentar? A mulher respondeu que sim, disse que se chamava Saiwalô e que nunca a havia visto antes. Calamidade se apresentou estendendo a mão com unhas cor de cereja e confessou a opacidade de seus olhos perguntando a Saiwalô de onde havia vindo. Do mar, respondeu com um sorriso e estranhou a pergunta, de onde?, que a outra lhe fizera de volta. Explicou então que vivia naquela jangada, ao sabor das ondas, e que as vezes perseguia uma baleia, como aquele personagem obcecado de Moby Dick. Calamidade disse que nunca havia visto o mar e lhe contou que caiu do céu num dia quente, falou baixinho de como vivera no prostíbulo, como se apaixonara por Susane e de como havia destruído a cidade. Contou que havia ido à capital atrás da cura para os seus males e não pôde encontrá-la. Elas tomaram um café com bolo e foram passear. Calamidade quis contar sobre o sentimento doloroso que tinha desde aquele dia de verão, contou-lhe que havia se apaixonado por um médico, mas não queria, porque só conhecia uma forma de gostar, e esse amor que conhecia era opressor em todos os sentidos que vivia, até mesmo na correspondência. À Calamidade era impossível ser feliz com seu amor, porque o amor para si era apenas uma prisão. Saiwalô se riu e disse que amava um homem que morava dentro de uma baleia, e que eram incompatíveis, ele e ela. Pois ele se escondia o tempo inteiro e ela só sabia viver ao relento, não se entendiam, mas se amavam sempre que se encontravam. Saiwalô era livre, porque era o que era e ia aonde queria, só se sentia bem porque amava, e isso a fazia completa. Calamidade não entendeu, mas se alegrou, pensando que um dia poderia amar assim. Calamidade sentiu vontade de dar uma volta na jangada, e Saiwalô pensou que talvez devesse ficar um pouco por ali.