terça-feira, agosto 16, 2005

Mono-diálogo inventado

Janaína, enterrada em seu caixão minúsculo, se sentia como Calamidade, talvez. Daquele dia em diante, tudo lembraria o dia em que ela morreu. Confinada em seu caixinha-novo-lar, pensou em Vírginia e nas rodas de samba que teimosamente frequentavam, apesar do pouco traquejo para a dança. E ensaiou seu diálogo, dizendo à Vírginia que não desaparecera, que só estava ali, guardada do mundo para não mais sofrer. E balbuciou algumas palavras sem sentido, dizendo-se parede. Dizia que agora era um sentimento de um garden state. Para Janaína, garden state significava exatamente aquilo: parada, sem sentimentos, com os sentidos vedados pelas madeiras estreitas que a separariam por algum tempo do resto. Falou que não era inexistente, já que nem os mortos desaparecem [veja Calamidade]. Mas já não era visível, não ali, enterrada. Dizia para si mesma que iria conseguir achar algum lugar para se instalar, assim que quisesse se deparar com as pessoas. E pensou que para enfrentar seres humanos precisava sentir alguma coisa: medo, dor, solidão, amor, o que quer que fosse. Precisava sentir, e não havia nada em seu peito. Não sentia sequer a náusea comum da existência humana. Para reviver, ou conviver, precisaria sentir o calor dos braços desconehcidos e deitar-se em outras camas, já que havia renunciado a do amante há muito. Precisaria voltar e sentir raiva, angústia.
Janaína ensaiou todo esse mono-diálogo. E não chegou a contá-lo à Vírginia. Deixou que Vírginia queimasse sua fênix e que ela renascesse quantas vezes fosse. Embora torcesse para renascer com outras formas e personalidades.
Janaína, dentro de seu caixão claustrofóbico agradeceu por poder dormir mais um pouco. E esqueceu, por agora, o mundo.