segunda-feira, agosto 15, 2005

Sobre Daniel

Daniel criava aranhas, Virgínia as detestava porque lhe davam arrepios, mesmo as mais coloridas e brilhantes de todas. Tinha verdadeiro pavor das teias reluzindo sempre que o sol invadia pelas janelas o quarto do irmão. Daniel não entendia, nem à Virgínia, nem às teias de aranha na janela, mas gostava delas, das duas, porque cheiravam a abandono, cheiravam ao acaso. Virgínia gostava do irmão, gostava do seu colo, das suas tardes bestas na fazenda, e gostava, acima de tudo, porque ele era mais do que aparentava ser. Quando Daniel se foi ela não teve coragem de expulsar as aranhas, nem de limpar as janelas. As teias de aranha na janela eram uma das poucas coisas que Daniel não entendia, e Virgínia, na sua mania de nomear as coisas pequenas, achava que elas se chamavam Amor. Talvez por isso não as tenha limpado. Virgínia não tem coragem de entrar naquele quarto, porque as aranhas de Daniel lhe são hostis. Daniel diria que ela é uma boba, ele sempre dizia, e diria que Adriano a faz de palhaça. Mas seria apenas isso, Daniel não falava sobre amar, na verdade, Daniel não falava sobre nada sério. No fim, Daniel se foi, e Virgínia se lembra dele toda vez que avista uma teia de aranha sob o sol.