sexta-feira, outubro 07, 2005

Sobre os amores antigos que se renovam e se desfazem e se reencontram e se dissipam no ar

"Espantosa a rapidez com que, ante a invasão vitoriosa de novas ilusões, se dissipam os efeitos da última decepção."

Aníbal M. Machado.

E era neste trecho em que Janaína pensava ao fitar os olhos de Vicente. Seus olhos pareciam sempre inundados de lágrimas, como os de Izolita, e sua boca parecia balbuciar um nome constante.
Vicente, antigo amor de Virgínia, sentava em um balcão em um bar embaixo do prédio de Janaína todos os dias. E, eventualmente, Janaína o encontrava. Sabia quem era ele, mas nunca se apresentou. Ela sempre o encarava de longe, como se quisesse entender seu mundo, sem palavras. Queria ver sua alma através dos olhos e lábios. Via-o sempre com pedaços de marfim. Um dia, em uma carta, Virgínia havia contado do presente mais exótico que havia dado; sapatos de marfim. E que, ao brigarem e se despedirem, os sapatos se desfizeram em mil pedaços. Janaína pensou, tristemente, que os presentes de ex-amantes só são válidos porque colados com amor. O amor de um acaba, as coisas se desfazem junto: entram em consonância com a dor.
Lembrou-se de que foi assim com seu jardim. Ao ser abandonada pelo garoto da rodoviária, seu jardim morreu. Todas as flores acompanharam Janaína em sua dor de morte até o caixão. Hoje, algumas folhas novas na roseira renascem.
Antes de uma nova ilusão, sempre a dor se dissipa. As flores já não eram tão tristes e ressurgiam pequenas e devagar.
E Vicente. Será que ressurgia? Será que era Vicente um desses, como ela, que morriam a cada dor e que choravam todas as lágrimas em todos os cantos do mundo? Ele recolheria os pedaços de marfim, ou deixaria espalhados, junto com os pedaços de seu peito?
E tudo o que Janaína imaginava eram divagações de como o amor é dolorido. E como é belo, antes de uma nova decepção. Toda a dor inexiste, antes de mais uma ilusão. Toda a dor é passado, nunca é recorrente. Após a ilusão, só resta a dor. E Janaína era movida a dor em muitos momentos. Aquele não era um deles. Ela se reconstituía aos poucos com o olhar alheio. Depois de amar, observar as pessoas era seu maior prazer.
E, naquela hora, observava Vicente.
Como é que alguém pôde amar tanto Virgínia e deixar-se invadir todos os poros?
Deu-se conta: Vicente era igual.
Como pôde Janaína entregar-se aos seus amores, com todos os poros?